quarta-feira, 28 de julho de 2010

Marcomede Rangel Nunes (1951-2010)

Nesta semana perdemos uma das figuras mais folclóricas da astronomia nacional: Marcomede Nunes ou, como era conhecido entre os colegas, Marcomídia. Só tive a oportunidade de estar com o Marcomede em agosto de 2009 quando da minha ida ao Rio de Janeiro para o 3º Simpósio de Cometas da LIADA. O Marcomede era daquele sujeito que chegava a ligar pro hotel e nos perguntar:

- E aí, onde é que vocês vão amanhã? Eu passo aí prá pegar vocês!

E assim fomos, eu, o Silvino e o Travnik, de carona com o Marcomede. Primeiro ele deixou o Travnik no terminal rodoviário. Marcomede não se conformava que o Travnik voltaria de ônibus até Campinas.

- O Travnik vai passar 7 horas dentro do ônibus... - ficou repetindo isso aquela tarde inteira.

Ao chegarmos ao Observatório Nacional, Marcomede foi mostrando todos os cantos da instituição, até o drive-in ao lado onde almoçamos. Assim que chegamos no prédio da Diretoria ele nos mostrou um dos gravímetros tipo geodésico explicando que desenvolveu um estudo recente em gravimetria.

- E aí, que você achou? hein, hein? - perguntava numa empolgação como de um estudante recém formado.

O nome do Marcomede aparece desde os primeiros boletins de observação astronômica, a começar pelos registros de prováveis TLP em 1969. Em 19 de maio daquele ano, entre 21:00 e 22:00 TU Marcomede e Nogueira relataram um abrilhantamento na cratera Harplus, usando o refrator de 18cm do ON.

Também era comum encontrar Marcomede em eventos astronômicos misturado entre os amadores. Na década de 1980 ele coordenou durante um tempo a Seção Solar da União Brasileira de Astronomia, mesmo estando no ON. Aqui em mãos tenho as "Memorias da 2da Convencion Regional de Observadores de la LIADA" ocorrida em 20 a 22 de outubro de 1989, onde mais uma vez vemos Marcomede entre os participantes. Esse coleguismo com os astrônomos amadores foi uma das características do Marcomede. Digo isto sem receios porque eu só o conhecia de nome. E graças à amizade comum que tínhamos com o Silvino de Souza (Observatório de Brusque), aquele dia 8 de agosto de 2009 foi como nos conhecêssemos há anos.

- Marcomede, desde quando o ON tem registros de declinação magnética? - pressionei ele.

- Este é o tipo de pergunta que gosto de ouvir! - empolgou-se - Daqui a pouco vamos passar no setor de pesquisa magnética e lá pergutaremos a eles.

Chegando lá fui brindado com um belo mapa do Brasil, em folha A3, mostrando as linhas de declinação magnética para 2009.

- Marcomede, lá em casa eu consigo pegar o sinal horário em OC - provoquei ele de novo.

- Ah, vem cá, vem cá! vamos falar isso pro pessoal do serviço da hora - empolgou-se novamente.

Ao chegar no DSH, foi mostrando todas as salas e a equipe trabalhando. [veja imagem abaixo]

- Pronto, agora conta prá eles onde você está sintonizando o sinal horário.

Depois de autografar seus dois livros "Santos Dumont: um astrônomo amador" e "A Pedra do Bendengó, que veio do céu", nos despedimos, desejosos de novamente visitar o ON sendo ciceroneados por tal figuraça chamada Marcomede.

Ainda mantive breve contato com o Marcomede depois daquela data, principalmente no que se refere a pesquisa bibliográfica em publicações do ON. Na minha próxima ida ao Rio eu pretendia dar mais uma espremida no Marcomede. Mas eis que a gente recebe a triste notícia de seu falecimento. Que pena! A astronomia brasileira fica literalmente mais triste com a falta do Marcomede e suas façanhas antárticas.